Obras de um artista irreverente que invadem nosso
cotidiano e por meio de objetos retirados dele colocam em xeque nossos valores
Por Gabriela Lima
“Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã”
Chico
Buarque - Cotidiano
Quando olhei para fachada do espaço expositivo
que fica em uma Praça com um lago onde há fila para pessoas andarem de
pedalinho, pensei que estava vazio. Não só em relação a estar inabitado mas achei
que não havia mais exposição, pois tudo parecia meio fechado, meio bagunçado,
meio escuro.
Não botei muita fé quando, finalmente, entrei
no lugar e antes que pudesse fazer mais julgamentos precipitados, dei de cara
com um capacho em que li o que me introduziria à ideia do artista.
Então o mergulho ao nosso cotidiano começou
através de 18 obras que me faziam lembrar o que eu queria que passasse a ser
diário e o que eu queria tirar dos meus dias.
Posso dizer que já vi exposições com muitos
artifícios tecnológicos, espaços gigantescos e molduras caras, mas é exatamente
a simplicidade de recursos desse artista que me ganhou.
O próprio artista crítica espaços expositivos
que são pagos, nos fazendo refletir se é justo pagar para desfrutar da arte e
se alguém que não tem condições preferiria gastar seu dinheiro visitando uma
exposição ou comprando um rolo de papel higiênico que seja. Agora o espaço onde
as obras estavam inseridas começava a fazer sentido mas, mesmo assim, me chocava
o desleixo do lugar que não tinha nenhuma segurança, nem para garantir que os
visitantes não tocassem nas obras. Quando fui arte educadora pela primeira vez,
essa era uma das nossas maiores preocupações e o espaço expositivo era gratuito.
Agora ali, havia uma espécie de confiança e confidência, parecia que eu estava
entrando na casa de um amigo e isso começou de alguma forma me agradar. Me
senti livre para ficar o tempo que quisesse e sem a obrigação de estar ali.
Engraçado foi ver como as obras interagiam com
o local, ao ponto de uma delas “Bolsa de mulher” que era composta de baratas de
mentira estar posta em um lugar onde havia uma barata morta no chão. Era
tamanho descuidado que acabava por compor o cenário.
Uma das obras que mais gostei é a retratada ao
lado. Como o próprio nome diz, era um “Vestido Social” feito por comprovantes
de compras. Fazendo uma crítica clara ao que vestimos para ser e o que somos
para poder vestir.
O artista trata de várias vertentes do nosso
cotidiano e as desconstrói em nossa frente. É uma exposição que pretende nos
tirar do “Cativeiro” onde vivemos, não só em relação a arte mas toda nossa vida
em sociedade, onde aceitamos as representações das coisas por não termos
oportunidade de ver como realmente são.
Há um universo de lugares e coisas a serem
explorados. Wesley também questiona a nossa necessidade de regras, religião,
futebol, etc., contruindo e desconstruindo nossa própria identidade cultural se
apoiando nos alicerces da filosofia.
Nessa exposição não há nada por acaso,
inclusive a “Última Porta” que é uma obra convidativa, podemos ver implicitamente
a influência do filósofo alemão Nietzsche, que diz que a última máscara que
temos a retirar é a da loucura. O artista usa não a máscara mas uma última porta
a qual temos que atravessar e exatamente por isso que ela está localizada no
fim da exposição.
Wesley Souza, assim como eu, é da cidade onde
pude ver essa exposição: Guarulhos. Apesar das minhas lamentações (tive espaço
para elas, em uma caixa interativa onde nos era pedido para lamentar sobre algo
em forma de papel, que todos seriam queimados e lançados ao mar, como parece
acontecer com tudo que lamentamos… Simplesmente desaparecem) tenho uma salva de
palmas para esse artista que fez com que eu pudesse rir e me chocar em um curto
espaço de tempo e conseguiu tratar de maneira atual temas que parecem permanentes.
Não há uma obra que eu não queira que seja
vista, por isso eu faço questão de mostrá-las aqui para que vocês possam sentir
um pouco do que senti, porque não há arte sem sentimento e na minha opinião, as
melhores obras são feitas perante a alguma indignação.
Obras (dir. para esq.): “Necessidade
Ritualística – 2013”, “O melhor remédio – 2013”, “Livro aborto – 2012”, “Passos
sem deslises – 2010”, “Guardanapos – 2011”,
“O olho do sagrado – 2012”, “Pátria Brasil – 2013”, “O homem isolado – 2014”, “Em
nome do pai – 2011”, “Sem título – 2010”, “Caixa das lamentações – 2014”, “Ferramenta
de ação complementar – 2012”.
Quanto: Entrada franca
Quando:
26-04-14 às 15h30
Onde:
Centro
Permanente de Exposições de Arte Prof. José Ismael - Pç. Cícero de Miranda, s/nº, Vila Galvão, Guarulhos - SP
Até
quando: 30 de Abril de 2014 - De terça a
domingo, das 8h às 17h.
Links
relacionados: http://www.guarulhos.sp.gov.br/